Archivum Honkai: Star Rail

(I)

Origens

Como todos nós sabemos, o auge da Era da Teofania colapsou num instante: após se tornarem macróbios, a população das nove naves do Xianzhou se reproduziu exponencialmente, alcançando o limite populacional máximo.

Com vidas de mil anos, o venerável monopolizou o poder e a riqueza a bordo do Xianzhou sem qualquer justificativa. Enquanto isso, do outro lado, havia cerca de 300 bilhões de plebeus reduzidos a nacos de carne, que mal podiam compreender a própria existência. Os traços celestes oferecidos pela Árvore Ambrosiana nunca conseguiram satisfazer a ganância humana, e Xianzhou tornou-se uma frota inchada, afundando — nem todos os domínios do mundo puderam acompanhar o ritmo do crescimento da população, e o plano de colonizar novos planetas fronteiriços com a plebe para aliviar a pressão populacional foi o mesmo que tentar tapar o sol com a peneira. De acordo com os cálculos, aqueles mundos sofreriam o mesmo destino que Xianzhou em até três gerações.

E por fim, eclodiu o que as gerações posteriores chamaram de Guerra Civil. Famílias e grupelhos se espezinharam e brigaram entre si nas nove naves do Xianzhou, e o Yuanqiao acabou tragicamente destruído ao mergulhar em uma estrela gigante vermelha. Foi justamente neste momento delicado que o primeiro caso de um marafílico foi registrado na história.

Com base em registros do capítulo "Os Três Sofrimentos" do História do Xianzhou, o mestre do Yaoqing do Xianzhou (Nota: esse ranque de nobreza, quando tais coisas existiam, se perdeu nos anais do tempo) Changhuan adorava beber vinho, jantar e se divertir. Nem mesmo um ataque ao domínio poderia impedi-lo de organizar a festa de seu milésimo aniversário, para a qual convidou muita gente. Os nobres pareciam desesperançosos no banquete, pois mal tocaram os pratos. Apenas o anfitrião, com olhos estupefatos, engolia tudo diante de si, comendo e bebendo o peso de vários humanos — como se, ainda sem satisfazer seu apetite, enviasse aquilo tudo a um poço sem fundo.

Quando os guardas foram derrotados e os portões do palácio vieram abaixo, aqueles que invadiram não encontraram ninguém lá. Os cantos do salão estavam cheios de pedaços de carne: inúmeros olhos, ouvidos, línguas, dentes, membros, cabelos, gordura... e inchadas ou descoladas, dificultando a compreensão de que toda essa matéria carnuda já havia pertencido a um corpo humano.

Esse registro da "Carne Gordurosa" foi considerado uma lenda absurdista por algum tempo. Mas as pessoas logo perceberam que aquele tinha sido um incidente isolado.

Enfrentando indignação pública e tumultos, o autoproclamado venerável "Imortal" ora os ignorava como a corpos num necrotério, ou os confrontava com acusações de bruxaria, como se estivessem possuídos. A história está repleta de atrocidades: o "Senhor Raivoso Vermelho" do Zhuming, o "Palácio de Ossos" do Xuling, o "Túmulo do Banho de Sangue" do Yuque... Por trás de cada tragédia, o mesmo elemento-chave: ao final de uma vida longa, as pessoas perdem a empatia pela humanidade e sucumbem à loucura.

Nós pensamos que a tirania coubesse aos poderosos. Mas nos séculos seguintes, a luta da plebe pela sobrevivência também seguiu este mesmo caminho batido. Esse período foi conhecido como "Era dos Nulos". Foi quando a gloriosa civilização do Xianzhou e sua Árvore Ambrosiana viveram seus dias mais sombrios.

Essa loucura — mais tarde nomeada de Mara — passou a atormentar as mentes de cada Xianzhouita macróbio como um pesadelo vivo do qual é impossível se livrar.

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