Acordei de manhã, mas não me movi. Eu fantasiei sobre como seria na Chancelaria se eu me ausentasse o dia inteiro.
Eu sei muito bem que nada vai acontecer. O Xianzhou seguirá navegando pelo espaço à revelia de quem sair, assim como a flecha da Flecha do Destino sempre irá na direção do alvo.
Estou cada vez mais impaciente com o lixo trivial do trabalho. Sempre que recebo uma nova tarefa, eu a amaldiçoo junto com meus colegas de todos os níveis que também estão envolvidos nela. Então eu me esforço e continuo com a tarefa. É impossível delegá-la a um subordinado porque os jovens são despreocupados demais e só fazem o que querem. Eles sonham em viajar a trabalho para planetas distantes, mas não se importam com o trabalho que têm ao redor de si.
O trabalho que fazemos na Comissão de Manutenção do Reino não faz sentido. Nos meus
Eu não quero trabalhar. Eu só queria ser como um cachorro e rolar na frente do escritório da Chancelaria ao invés de me banhar nesse sol falso, de onde observo e sonho vidas para todos. Se um turista me jogasse um biscoito, eu abanaria meu rabo para ele.
É uma pena todos os cães a bordo da Xianzhou serem cães de trabalho. Até o Diting é bem mais resiliente que eu.
As pessoas dizem que o primeiro sinal de envelhecimento nos perecíveis é quando começam a sentir saudade do passado. Para Xianzhouitas é a mesma coisa. Esses nossos corpos podem não envelhecer, mas nossas mentes vêm sendo escavadas por memórias distantes há muito tempo.
Uma vez sonhei estar de volta ao campo de batalha. Empunhando bestas com meus irmãos Cavaleiros das Nuvens, uma espada gigante nos seguia atrás de inimigos. Voltamos a Xuange; ao sistema Braço do Gigante; voltamos para as ilhas de Thalassa; e lutamos contra todo tipo de Abominações da Abundância ao longo do caminho.
Sonhei que bestas inumanas me cercavam. A espada girava entorno de mim, cortando e fatiando tudo em pedacinhos. O fluido dos corpos inimigos manchou meu rosto. Eu já esperava que ele fosse frio; o que eu não esperava era que fosse tão vermelho.
A paisagem do sonho ficou completamente vermelha, e enormes monstros com conchas quitinosas de silicone rugiram alto, esmagando todos os esquadrões que se aproximavam até virarem polpa. As Abominações enrolaram suas asas insectoides, e uma rajada gelada e dolorosa os atingiu bem na face.
Eu queria ver de novo como meus irmãos eram. Mas ninguém estava perto de mim. Olhei para baixo e vi rostos aquiescentes no chão, com expressões congeladas como que gritando por desejos não realizados. Cada globo ocular era como uma bola de gude arranhada que tivesse caído enquanto tentava se agarrar firmemente aos céus.
Macróbios... A piada me fez gargalhar e me acordou.
Meu braço direito está queimando exatamente onde foi arrancado, como se tivessem acabado de me arrancar da boca de um monstro. Girando o cotovelo, ainda não posso esquecer aquela dor que me abalou perante o mundo inteiro, mesmo com meu braço podendo crescer de novo. Passaram-se trezentos anos, e a dor ainda não foi aplacada.